segunda-feira, 19 de junho de 2017

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Conheça as “freiras”, maconheiras e feministas

Vestir hábito, plantar a erva na Lua Crescente e colher na Minguante. Extrair óleos medicinais da cannabis e rezar durante o processo.

Sister Kate e Sister Darcy em seu “convento” na Califórnia (Foto: Shaughn and John)
“Se pizza é um vegetal, eu sou uma freira” foi o pensamento que mudou a vida da empresária norte-americana Christine Meeusen, 58 anos. O ano era 2011 e, na época, os Estados Unidos estavam em polvorosa porque uma senadora, em meio a uma discussão sobre merenda escolar, pretendia classificar o prato italiano como tal – o que acabou não acontecendo mas foi ultrajante o suficiente para gerar um enorme bafafá nas redes sociais.
Imbuída dessa indignação, Christine vestiu um hábito de freira católica e foi para as ruas da pequena Fresno, cidade no interior da Califórnia onde vivia, protestar. Ela fazia parte do movimento Occupy Wall Street, que tem na ganância e no poder do mercado financeiro seu maior inimigo e vivia seu auge naqueles dias.
O curioso é que a fantasia lhe caiu tão bem que passou a ser confundida com uma verdadeira irmã católica por onde passava. “As pessoas começaram a me contar seus problemas e pedir conselhos. Freiras geram muita empatia, e eu conseguia facilmente comunicar minhas ideias”, disse ela por telefone à Marie Claire. Decidida a sustentar o protesto, aderiu oficialmente às vestimentas e ao nome de Sister Kate. “O hábito tornou-se uma maneira muito eficiente de fazer política.”
Fazia três anos que Christine tinha voltado de Amsterdã, onde morou por uma década e onde o mercado de produtos à base de maconha é maduro e aquecido. Ela mudou-se para a Holanda nos fim dos anos 1990 com o marido e os três filhos, quando o casal era sócio em uma bem-sucedida consultoria empresarial. Foi lá também que um médico lhe receitou remédios à base de cannabis para combater os sintomas da menopausa e ela conheceu os efeitos medicinais da planta. Com o fim do casamento, em 2008, viu-se obrigada a voltar, desempregada, para seu país natal.
Foi morar com os três filhos adolescentes na casa do irmão. Como o cultivo, a produção e a venda de maconha medicinal já eram legais na Califórnia, onde se instalou, Christine e o irmão resolveram investir no negócio. Passaram a vender óleos e extrato, principalmente para pacientes terminais que buscavam alívio para dores. Kate desfez a sociedade meses depois, quando descobriu que o irmão vendia parte dos produtos no mercado negro. Saiu da casa e juntou-se ao Occupy. Os dois filhos mais velhos já estavam na faculdade. Foi viver em acampamentos do movimento com o caçula. Para sobreviver, dirigiu táxi, entregou frangos em delivery e ajudou a formular contratos para clientes renegociarem dívidas nos bancos.
A fama de Sister Kate, ou Sister Occupy – como a mídia a chamava –, foi o empurrão para retomar o plano de vender produtos à base de maconha na Califórnia. Começou a procurar uma parceira para ajudá-la no empreendimento. “As mulheres são mais capazes de trabalhar com maconha de maneira que ajude as pessoas. Os negócios que os homens tocam ligados à erva em geral acabam em crime. Não sou excludente. Meu filho mais novo trabalha comigo. Mas, aqui, todas as decisões são tomadas por mulheres. Esse é o preceito básico”, explica Sister Kate. “O mundo será um lugar melhor quando for totalmente gerido por nós, e esse é o futuro. A liderança masculina nos levou a muitas conquistas: de terras, mares, até a Lua. Agora chegou o momento de cuidar e nutrir o planeta, atividades que fazemos melhor do que eles”, completa.
As “irmãs” durante a colheita da planta e o preparo dos produtos derivados da erva (Foto: Shaughn and John)
A primeira a topar a empreitada foi a americana Darcy Johnson, de 25 anos, ao ver um post de Sister Kate no Facebook. Em 2013, montaram juntas, em uma casa em Merced, o “convento”, batizado de “Sisters of The Valley” em alusão ao Vale de São Joaquim, onde estão sediadas, no norte da Califórnia. Vestidas com saias azuis, blusas brancas e hábito, passaram a plantar, colher, manipular e vender produtos à base de maconha. Todo o cultivo segue os ciclos lunares e é acompanhado por preces. São óleos, sabonetes, extratos e velas – nenhum deles é alucinógeno.
As vendas começaram em 2014, pela internet. Ao longo de 2015, geraram uma receita de US$ 60 mil. Em 2016, venderam os mesmos US$ 60 mil, só que por mês. O sucesso da empresa e a atenção que ela ganhou geraram revolta entre as verdadeiras freiras, claro, que se manifestaram contra a iniciativa. Os protestos autenticamente católicos, no entanto, não ecoaram. “Temos clientes no mundo inteiro, inclusive no Brasil. Todas as nossas entregas são feitas por correio, mesmo para países como o de vocês, onde há restrições para importação”, disse Sister Kate.
Outras três mulheres se juntaram à empresa desde então: Sister Freya, 41 anos, Sister Kassady, 26, especialista no cultivo de ervas e coach espiritual, e Sister Eve, 23, que decidiu deixar sua Croácia natal depois de conhecer o trabalho das irmãs pelo Facebook. “Tínhamos um plano de expansão de cinco anos formulado. A ideia era ter mulheres trabalhando conosco em todos os EUA. Mas, com a eleição de Donald Trump, estamos revendo isso. Ele quer limitar o trânsito dos nossos produtos pelo correio. Por isso, estamos pensando em ir para o Canadá”, diz Sister Kate.
“As mulheres são mais capazes de trabalhar com maconha para ajudar as pessoas. Os homens levam o negócio para o crime” afirma Sister Kate, empresária, 58 anos.
A página da Sisters of The Valley no Facebook reúne comentários de clientes de todo o mundo. “Meu marido, paciente de câncer de fígado, estava sofrendo com dores. Não se adaptou à morfina prescrita pelo médico, que interferia no funcionamento de seu cérebro. Os remédios à base de maconha ajudaram muito no tratamento. Sinto que devo compartilhar meu testemunho com o mundo”, escreveu Asha Surrow, da Suécia. “Uma das únicas coisas que ajudaram na rigidez e nas dores que tenho no pescoço e nas costas. Também combate o inchaço de mãos e dedos. Altamente recomendado”, escreveu Steven Finkelsen, dos Estados Unidos.
Estudos comprovam que a cannabis reduz os efeitos colaterais da quimioterapia, como náusea e vômito, estimula o apetite em pacientes com aids, pode ser usada para tratar o glaucoma e aliviar dores crônicas. No ano passado, a Novartis, um dos maiores laboratórios farmacêuticos do mundo, anunciou que vai lançar um medicamento à base de Sativex (o princípio ativo extraído da cannabis). No Brasil, a importação de alguns remédios similares – para tratamento de epilepsia, principalmente – já foi liberada pela Anvisa. “Óleos essenciais, extratos, velas e sabonetes são vendidos há muitos anos na Holanda e não são considerados remédios, mas ainda assim podem trazer benefícios à saúde”, diz Dartiu Xavier, médico e pesquisador de álcool e drogas da Universidade Federal de São Paulo. “E, se são legais nos EUA, onde a regulamentação é muito mais rígida do que no Brasil, não há restrição de consumo”, completa.
Fonte: Jornal Pequeno

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