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O POVO
Por: Luís Fernando Veríssimo
Não posso deixar de concordar com
tudo o que dizem do povo. É uma posição impopular, eu sei, mas o que fazer? É a
hora da verdade. O povo que me perdoe, mas ele merece tudo que se tem dito
dele. E muito mais.
As opiniões recentemente emitidas sobre o povo até foram tolerantes. Disseram,
por exemplo, que o povo se comporta mal em grenais. Disseram que o povo é
corrupto. Por um natural escrúpulo, não quiseram ir mais longe. Pois eu não
tenho escrúpulo.
O povo se comporta mal em toda a parte, não apenas no futebol. O povo tem
péssimas maneiras. O povo se veste mal. Não raro, cheira mal também. O povo faz
xixi e cocô em escala industrial. Se não houvesse povo, não teríamos o problema
ecológico. O povo não sabe comer. O povo tem um gosto deplorável. O povo é
insensível. O povo é vulgar.
A chamada explosão demográfica é culpa exclusivamente do povo. O povo se
reproduz numa proporção verdadeiramente suicida. O povo é promíscuo e
sem-vergonha. A superpopulação nos grandes centros se deve ao povo. As
lamentáveis favelas que tanto prejudicam nossa paisagem urbana foram inventadas
pelo povo, que as mantém contra os preceitos da higiene e da estética.
Responda, sem meias palavras: haveria os problemas de trânsito se não fosse
pelo povo? O povo é um estorvo.
É notória a incapacidade política do povo. O povo não sabe votar. Quando vota,
invariavelmente vota em candidatos populares que, justamente por agradarem ao
povo, não podem ser boa coisa.
O povo é pouco saudável. Há, sabidamente, 95 por cento mais cáries dentárias
entre o povo. O índice de morte por má nutrição entre o povo é assustador. O
povo não se cuida. Estão sempre sendo atropelados. Isto quando não se matam
entre si. O banditismo campeia entre o povo. O povo é ladrão. O povo é viciado.
O povo é doido. O povo é imprevisível. O povo é um perigo.
O povo não tem a mínima cultura. Muitos nem sabem ler ou escrever. O povo não
viaja, não se interessa por boa música ou literatura, não vai a museus. O povo
não gosta de trabalho criativo, prefere empregos ignóbeis e aviltantes. Isto
quando trabalha, pois há os que preferem o ócio contemplativo, embaixo de
pontes. Se não fosse o povo nossa economia funcionaria como uma máquina. Todo
mundo seria mais feliz sem o povo. O povo é deprimente. O povo deveria ser
eliminado.
Luis Fernando Veríssimo (Porto Alegre, 26 de setembro de 1936) é um escritor, humorista,cartunista, tradutor, roteirista de televisão, autor de teatro e romancista bissexto. Já foi publicitário e revisor de jornal. É ainda músico, tendo tocado saxofone em alguns conjuntos. ... É filho do também escritor Érico Veríssimo.
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