domingo, 3 de dezembro de 2023

Violeiros & Cordelistas


Não tenho do que reclamar da vida. Nasci na melhor época da humanidade, em 1963! Naquele tempo, o Nordeste inteiro venerava a figura do violeiro, o cantador. Durante muito tempo, o repente foi o único meio de comunicação nos lugarejos áridos e inóspitos da região. As notícias eram sempre versadas, rimadas, ritmadas, poetizadas. Os cantadores percorriam a região a pé, em lombo de animais ou nos Paus de Arara.

Recordo o meu pai, sempre aos fins de semana, indo até a cidade apenas para comprar "romances" (assim eram chamados os cordéis). Quando não contratava violeiros ele se contentava com minha péssima leitura. Titulos como: O Valentão do Mundo, José de Sousa Leão, A peleja de Zé Pretinho com o cego Aderaldo, Coco Verde e Melancia, A princesa Teodora e A chegada de Lampião no inferno eram dos mais preferidos.  Li autores extraordinários, como: Antônio Ferreira da Cruz (1876-1965),

José Camelo de Melo Resende (1885-1964),

João Ferreira de Lima (1902-1973) e

Severino Milanês da Silva (1906-1967)...

Frequentei muitas "cantorias".


De A chegada de Lampião no inferno ainda recordo algumas estrofes:


Um cabra de Lampião 

Por nome Pilão Deitado

Que morreu numa trincheira

Um certo tempo passado

Anda correndo visão 

Agora pelo Sertão 

Fazendo mal assombrado.


Foi ele quem deu a notícia 

Que viu Lampião chegar

No inferno nesse dia

Faltou pouco pra virar

Incebdiou-se o mercado

Morreu tanto Cão queimado

Que faz pena até contar. 


Morreu a mãe de Caim

O pai de Forobodó 

Cem netos de Parafuso

E um cão chamado Cotó

Escapuliu Boca Insossa

E uma moleca moça 

Quase queimava o totó...


Eu estou convicto de que a Literatura de Cordel e a Linguagem Coloquial são tipo "carne e unha", feitas uma para a outra. 

(...) Tenho saudades daquele cheirinho de café torrado, servido nas cantorias. Adorava quando os violeiros saíam do repente para as canções. A gente pagava para ouvir O Lencinho, Casa Amarela e Menina Perdida. a Sentimentos de paixão e de empatia afloravam no semblante das moças e rapazes da época. Tudo isso nos parece, a cada dia, mais distante, muito longe nesmo da memória do povo nordestino.



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