Não tenho do que reclamar da vida. Nasci na melhor época da humanidade, em 1963! Naquele tempo, o Nordeste inteiro venerava a figura do violeiro, o cantador. Durante muito tempo, o repente foi o único meio de comunicação nos lugarejos áridos e inóspitos da região. As notícias eram sempre versadas, rimadas, ritmadas, poetizadas. Os cantadores percorriam a região a pé, em lombo de animais ou nos Paus de Arara.
Recordo o meu pai, sempre aos fins de semana, indo até a cidade apenas para comprar "romances" (assim eram chamados os cordéis). Quando não contratava violeiros ele se contentava com minha péssima leitura. Titulos como: O Valentão do Mundo, José de Sousa Leão, A peleja de Zé Pretinho com o cego Aderaldo, Coco Verde e Melancia, A princesa Teodora e A chegada de Lampião no inferno eram dos mais preferidos. Li autores extraordinários, como: Antônio Ferreira da Cruz (1876-1965),
José Camelo de Melo Resende (1885-1964),
João Ferreira de Lima (1902-1973) e
Severino Milanês da Silva (1906-1967)...
Frequentei muitas "cantorias".
De A chegada de Lampião no inferno ainda recordo algumas estrofes:
Um cabra de Lampião
Por nome Pilão Deitado
Que morreu numa trincheira
Um certo tempo passado
Anda correndo visão
Agora pelo Sertão
Fazendo mal assombrado.
Foi ele quem deu a notícia
Que viu Lampião chegar
No inferno nesse dia
Faltou pouco pra virar
Incebdiou-se o mercado
Morreu tanto Cão queimado
Que faz pena até contar.
Morreu a mãe de Caim
O pai de Forobodó
Cem netos de Parafuso
E um cão chamado Cotó
Escapuliu Boca Insossa
E uma moleca moça
Quase queimava o totó...
Eu estou convicto de que a Literatura de Cordel e a Linguagem Coloquial são tipo "carne e unha", feitas uma para a outra.
(...) Tenho saudades daquele cheirinho de café torrado, servido nas cantorias. Adorava quando os violeiros saíam do repente para as canções. A gente pagava para ouvir O Lencinho, Casa Amarela e Menina Perdida. a Sentimentos de paixão e de empatia afloravam no semblante das moças e rapazes da época. Tudo isso nos parece, a cada dia, mais distante, muito longe nesmo da memória do povo nordestino.
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